O ontem, foice afiada do
tempo
Que cortou aquele possível
momento
E ceifou a lembrança do
que não se viveu
Autor: Fido do Carmo
Sejam bem-vindos ao meu balbucio poético, isto é, às minhas tentativas de fazer dos meus sentimentos e dos pensamentos matéria-prima para a poesia.
O ontem, foice afiada do
tempo
Que cortou aquele possível
momento
E ceifou a lembrança do
que não se viveu
Autor: Fido do Carmo
Onírico
Minhas noites parecem
jogos
Conduzidos pelo subconsciente
Com charadas embaralhadas
Que ficam dias na minha
mente
Alguns deles desaparecem
Tão logo eu me desperte
Até tento voltar ao sonho
Mas o espírito segue inerte
Oh! Morfeu, deus dos sonhos
Mande-me formas inteligíveis
Que revelem o caminho
Desses enigmas inacessíveis
Os cenários arquitetados
Dos meus sonhos mais bizarros
Poderiam gerar belezas
Tal Dalí, Frida e Picasso
Mas tudo é tão insólito
Desmorona e me aflige
Nem Freud tá dando conta
Dos enigmas da Esfinge
Oh! Morfeu, deus dos sonhos
Mande-me formas inteligíveis
Que revelem o caminho
Desses enigmas inacessíveis
Devir
Daqui pra frente
Só quero vida, amor e revolução
E que as dores do passado
Fiquem como um denso manto
De cicatrizes marcadas e
mortas
Daqui pra frente
Que venham as dores novas
Pois tenho o coração preparado
Com um escudo duro, casca
grossa
Formado com cicatrizes
sobrepostas
Daqui pra frente
O passado calará o grito,
silenciará
O medo será atropelado
pelo tanque
Da vontade de viver tudo o
que é ser
Porque o devir é o meu grande trunfo
Autor: Fido do Carmo
Sau
da
de
Palavra-igreja
Que congrega a falta
Do bem que se foi
Que reza a lembrança
Do gozo de outrora
Autor: Fido do Carmo
A morte do sim
Há de florescer o melhor
de mim
Nem que para tal eu
decrete o fim
Da minha porção que
sempre diz sim
Às vezes o não, parece
ruim
Mas ele é vital, é bem, outrossim
Vou tirar as ervas daninhas
do sim
Quais flores nascerão no
meu jardim?
Será que o meu melhor cheira
a jasmim?
A morte é a vida da cor
carmim
Autor: Fido do Carmo
Quintal da bicharada
Uma gatinha malhada
Pulou no meu quintal
Subiu no pé de manga
No encalço do pardal
A gatinha acinzentada
Residente do local
Animou-se e se pôs
A subir de modo igual
Um cãozinho peludinho
Dono da jurisdição
Revoltou-se com o agito
Começando a confusão
O alvoroço inusitado
Despertou a atenção
E o pardal ergueu voo
Fugindo salvo e são
Lá do alto, o passarinho
Sentindo a tranquilidade
Cantou forte o deboche
E voou em liberdade
Autor: Fido do Carmo
Chuva de primavera
Oh! Chuva de primavera
Umedece a minha terra
Que a seca prisão do outrora
Inunde com as águas do agora
Autor: Fido do Carmo
Tempo. Temporal de horas duras.
Chove forte e eu sem guarda-chuva.
Dura. Dureza tempestiva e crua.
No solo teso, evapora a ternura.
Autor: Fido do Carmo
Vilarejo
Sinto-me preso no sopé de uma montanha
No vale, a força catabática frustra a subida
Mas crio asas e plaino nesta forte ventania
Esperançando, luto pelo enleio da partida
Escudo-me no colo da elevada cordilheira
Como águia, fito o topo e empenho-me no desejo
De alcançar as alturas da visão emancipada
No horizonte, o vento bom daquele vilarejo
Projeto-me aos solos de uma nova geografia
Onde as asas são livres do tempo-dinheiro
E a existência é enfrentada com dignidade
Sem grilhões, as plantas dos pés geram viveiros
Tronos
Há tronos sem majestade
Onde todos são quase iguais
Na louça branca ou bege
Do Shopping e dos
terminais
Na hora do desespero
Ninguém escolhe o assento
Quando chega sem
sobreaviso
Faz perder o
acanhamento
A posição comum a todos
Prostrados na defensiva
No alarido e sob o aroma
Da assentada meditativa
Autor: Fido do Carmo
Há de surgir
Há de surgir um abrigo seguro
Cercado de fossos profundos
Com adarves em altos muros
Tão forte que impede o abuso
Do intruso poder iracundo
Que cega e faz tudo imundo
Há de surgir um sorriso largo
Faceiro como enredo criado
Com a trilha dos Novos Baianos
No embalo de braços amados
Com ébrios afetos forjados
No brasido dos enamorados
Autor: Fido do Carmo
Pobre poema
Há dias em que tudo seca
Lágrima, sorriso e poema
Aonde outrora transbordou
Nada, por mais que esprema
Tento, esforço-me a sentir
Coloco-me aberto ao dilema
Com o riso e o olhar ressequido
Só me resta este pobre poema
Autor: Fido do Carmo
Mar da existência
A calmaria do alto mar é momentânea
O tempo de tormenta sempre espreita
Atrevo a desbravar o mar da existência
Com o barco tímido de proa bem feita
Mas o leme as vezes pesa tanto, tanto...
Segura-lo firme na tormenta é resistência
Num esforço vívido busco manter o fito
E impedir o desvio da bússola da sapiência
No limite da sobrevivência do amigo siso
O sopro brando da brisa marinha regressa
Nesse ínterim, refaço-me e ergo o espírito
A alma, por pouco tempo, descansa sem pressa
Autor: Fido do Carmo
Alvorada
desejosa
Noites frias
esquentadas pelas pernas quentes
Pelo afago do colo fragrante
e candente
Que me levanta em
plena alvorada fria
Aquecido pelo desejo
de desfrutar da tua chama
O fim do inverno se anuncia
Ah, primavera!
Já é sentida no calor
das tuas belas pernas
Autor: Fido do Carmo
(feito no fim do inverno de 2022)
12 versos de saudades
Saudades dos tempos do dia inteiro na rua
De passar as manhãs jogando bola de gude
Dos manjares grátis dos pomares da estação
Da corrida pelas trilhas para o banho no açude
Do antes, do durante e do depois do futebol
De contar e se orgulhar das pilhérias épicas
De ficar o dia inteiro descalço sob a luz do Sol
Da época de soltar pipas e papagaios no céu
Da energia de viver correndo sem se cansar
Das feridas das quedas ser tratadas como troféu
De cada melhor amigo de toda cidade deixada
Lembranças da infância que aquecem a alma
Autor: Fido do Carmo
Eu Sísifo
Todo dia a pedra rola
Não tem hora prevista
Por vezes, rola a noite
Outras, na luz do dia
Empenho toda energia
Empurrando morro acima
No cume quase vencido
A força contrária intima
Recomeço é o meu nome
De sobrenome esperança
Caminhando com fé na vida
Do castigo faço mudança
Cada vez que tento subir
Algo em mim se modifica
As pernas ficam mais firmes
E a mente se purifica
Autor: Fido do Carmo
Tons do Brasil
Nem todo verde é belo
Uns são força bruta
Outros, deserto
Nem todo amarelo é riqueza
Uns são doenças
Outros, avareza
Nem todo azul é celeste
Uns são fome
Outros, sangue
Nem todo branco é entendimento
Uns são vileza
Outros, esquecimento
Autor: Fido do Carmo
O vácuo da mão estendida
O rigor dos lábios cerrados
O sisudo olhar inclinado
No silêncio do tom, desagrado
Tal qual Górgona da mitologia
O olhar quer fazer virar pedra
Os sentidos e as almas singelas
Faz arder como o frio da Sibéria
Mas onde o amor é brasido
Sobrepuja o olhar aquecido
E com calma e certeiro altruísmo
Regenera o afeto perdido
Gira
Gira Terra, gira mundo
Giram astros, gira tudo
Gira roda, gira vida
Giro alegre e sisudo
Gira Sol, gira estrela
Girassóis, luz que gira
Giravolta, volta e gira
Gira noite e dia
Irrupção
Raios de impiedade
Incontrolável terror
Atravessam o caminho
Independente do clamor
Manifestação assombrosa
Uma estranha irrupção
Criam dúvidas da virtude
E da condição de são
As pistas estão dadas
É preciso esquadrinhar
Quanto maior a ansiedade
Sobrepuja o mau pensar
Autor: Fido do Carmo
Gestação mítica
Do Minotauro, o chifre e o rabo
Do centauro, o dorso e casco
Entrelaçam os dois casos
Desumano por dois lados
O instinto animalesco
Foi gerado no apreço
Pelo meio mais funesto
E amarrado no cabresto
Filhos da destemperança
Geração de intolerância
Violência e matança
Desabona a confiança
Se persiste a quimera
Sobram genes de Pandora
E das partes mais humanas
Nascem brotos de esperança
Autor: Fido do Carmo
Inconsistência
Os meus desejos invisíveis
Estão num lugar incólume
E por mais profunda sonda
Eles sempre se escondem
Em lampejos devaneios
Cenas surdas entrecortam
E por mais que mude o eixo
Quase sempre elas voltam
Um mosaico embaralhado
Por agora, indecifrável
Anseio o fio de Ariadne
Pra torná-lo desvendável
Autor: Fido do Carmo
A carência é o motor
Do gênio
Amor
O regozijo é a essência
Do Amor
Philia
O altruísmo é o norte
Do Amor
Agape
Autor: Fido do Carmo
Minhas manhãs
O amanhecer me apetece
É a melhor hora do dia
Primeiro faço um cafezinho
Ao som da linda melodia
Do canto dos passarinhos
Que ecoam com cortesia
Uma trilha sonora e alegre
Perfeita para a poesia
Eu olho para o horizonte
O astro do céu se anuncia
Sua luz desperta o meu corpo
Carregando a minha energia
Aconchego que me move
Para um lugar de harmonia
Toda noite espero o próximo
Amanhecer com café e poesia
Autor: Fido do Carmo
Caleidoscópio de Outubro
Concebidos no ponto alto do solstício
Nascidos em pleno curso do equinócio
Os bem-nascidos do mês de outubro
Compõem um lindo caleidoscópio
Vinícius, Graciliano e Mario de Andrade
Mahatma Gandhi, Lennon e Sabino
Tom zé, Cartola e Milton Nascimento
Chiquinha Gonzaga e Nelson Cavaquinho
Pelé, Garrincha e Maradona
Diderot, Le Guin e Carlos Drummond
Ulysses, Lula e Darcy Ribeiro
Oscar Wilde, Rimbaud e Pablo Picasso
Abram as janelas da alma Destranquem vossos corações Que o frescor da brisa praiana Tire o peso das más condições Que a beleza suplante a...